Álbum iconográfico da Avenida Paulista
"... avenida de fazendeiros, barões, condes, cavaleiros e reis." - pág. 16
A primeira e mais evidente característica da Avenida Paulista é sua posição no sítio urbano de São Paulo, Seu eixo coincide com o do espigão central. Nesse espigão ocorrem as cotas mais altas da cidade. A vista que se desfrutava dessa região motivou o surgimento de muitos torreões nas mansões que ali foram construídas. Mesmo com o intenso processo de verticalização da Cidade, ainda hoje é possível da coberta de alguns prédios na Avenida, avistar os vales dos seus dois principais rios e as colinas que a envolvem.
Constata-se, então, que a implantação da cidade de São Paulo difere radicalmente das demais capitais brasileiras. Em 1872, a população da capital era estimada em 26.000 habitantes. A estrada de ferro já chegara ao planalto e estendia a0s principais núcleos produtores de café. O que vai ocorrer. então, é um fenômeno sem paralelo na história da urbanização,
Um dos polos de urbanização foi a própria Estação da Luz. Foi ali que surgiu um dos primeiros bairros projetados de São Paulo, com seu reticulado em xadrez. Bairro originalmente residencial.com nuas largas e lotes desafogados, foi o primeira ser servido por uma linha de bondes de tração animal (1872). Loteamento e bonde, todo iniciativa de Glette e Nothman.
Aos poucos, os Campos Elíseos foram cedendo lugar a Higienópolis na preferência das fazendeiros abastados. A ideia do loteamento foi de Burchard e seu sócio Nothmann. Foi aberto já nos flancos de espigão central, região mais saudável, segundo a publicidade da época. Na verdade, Higienópolis era região mais calma, sem os inconvenientes da proximidade da Estação.
Por essa época, uma vigorosa mata, o Caaguaçu, ainda recobria o espigão central onde ficavam algumas chácaras, unidas por caminhos precários.
Subsistiu o levantamento de uma dessas propriedades, a Chácara da Bela Cintra (64), que, em 1890, apresentava amplas áreas assinaladas como Mata Virgem, Mato Fino. Isso, na região do atual Jardim Paulista, naquelas ladeiras que despencam no rumo da várzea do Pinheiros
Essa região era, de certo modo, um empecilho à expansão da urbanização, se bem que os caminhos que a cruzavam estivessem recebendo belas edificações, como o Caminho para Sorocaba (Consolação). o Caminho para Santo Amaro Brigadeiro Luis Antonio) e o Caminho de Carro para Santo Amaro (Liberdade e Vergueiro). Não é demais lembrar que os túneis da Nove de Julho só vieram perfurar o espigão em 1938. após a ocupação. A Cidade guardou por muito tempo a imagem dos vales incultos com as construções nas encostas (78 e 79), tema esse apreciado nos cartões postais (9)
Nesse quadro, na última década do século XIX, é para o espigão central que se volta a atenção dos agentes da urbanização. Mais uma vez, será uma sociedade particular que tomará a iniciativa e definirá a natureza do empreendimento. Agora, a cidade vai receber a Avenida de largura nunca vista, a ser aberta nos terrenos mais altos da Cidade
Se observamos a Planta dos Terrenos da Avenida Paulista veremos que este estão equitativamente distribuídos entre seus três proprietários - Joaquim Eugênio de Lima, João Augusto Garcia e José Borges Figueiredo, o mesmo ocorrendo com os terrenas da Chácara Bela Cintra (64). Há, na história da Avenida, uma lacuna documental evidente. Foram conservados apenas alguns documentos relativos aos investidores. O autor desses desenhos provavelmente terá sido o agrimensor Tarquinio Antonio Tarant, já referido, a quem Joaquim Eugênio de Lima confiou a realização do projeto da Avenida por ele concebida. Este empreendedor vem se colocar ao lado de muitos outros responsáveis pela formação do tecido urbano de São Paulo, personalidades como os já citados Glette. Nothmann, Horacio Sabino ou o litógrafo Jules Martin, a quem se atribui a ideia da construção do Viaduto do Chá. São empreendedores cuja obra ainda está a merecer melhor estudo Joaquim Eugenio de Lima nasceu no Urugual, estudou agronomia na Alemanha. Casou-se em São Paulo com D. Margarida Joaquina.
Alvarez de Toledo Lima. Seu nome aparece ligado a um diversificado número de atividades. Foi responsável pela circulação de dois jomais: Cidade de S. Paulo e Omnibus. Promoveu arruamentos e loteamentos em diversos bairros. Participou da sociedade anônima responsável pela construção do Viaduto do Chá e sugeriu a construção de outros viadutos.
A Avenida Paulista e produto da atividade de um homem de grande iniciativa e percepção do espaço urbano, dos muitos que marcaram a fisionomia desta cidade. Sua inauguração ocorreu em 1891 onze anos depois, a época do falecimento de Eugenio de Lima (1902), já apresentava apreciável número de edificações de porte, como vemos em fotos de Guilherme Graensly (100 e 101),
A Avenida contava até com uma "nobiliarquia" própria, segundo o folclore urbano. Pela leitura da bibliografia disponível, conforme o objetivo da publicação, a Paulista era Avenida de fazendeiros, barões, condes, cavaleiros e reis. Entendamo-nos. A vista dos nomes dos proprietários, fazendeiro não deveria ser somente o proprietário de fazenda (de café). Deveria ser o comerciante de fazenda estabelecido na Rua 25 de Março e o banqueiro preocupado com fazenda, na acepção original da palavra. Barão seria o quatrocentão enriquecido com o café. Conde, o industrial italiano, Cavaleiro, a
comerciante árabe sem outro titulo disponível. Rei, finalmente, seria o fazendeiro do café com fortuna incalculável pelo menos até a quebra da bolsa). Convém relembrar que este último título foi atribuído a diversos fazendeiros. O Sr. Geremia Lunardelli, por exemplo, morava ali perto, no Morro dos Ingleses.
Avenidas, com casarões contemporâneos aos da fundação da Paulista, sobreviveram em diversas metrópoles no Velho e Novo Mundo. Nós optamos por ação ou omissão, pelas sucessivas reconstruções. As esculturas que existiam na Avenida foram dispersadas pela cidade, algumas esquartejadas como a de Olavo Bilac. O Trianon foi impiedosamente demolido. Teve uma vida breve mas deixou uma imagem firmada da época em que havia preocupação com estética urbana.
Por vezes, palavras como Caaguaçu, Pacaembu, Sumaré, Jaraguá, Saracura, Consolação, Caminho de Santo Amaro, ipês, jequitibás, evocam uma cultura. Dessa cultura, faz parte o quadro de nossa vida cotidiana: o escritório, o banco, a loja de disco, o jornaleiro, o museu, a escola, o "shopping center", os desfiles, as competições e tudo aquilo com que nos identificamos.
A Avenida não precisa importar nada, é um símbolo da nossa cultura. É a Avenida Paulista.